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sábado, 28 de julho de 2018

20 Julho 2018, 10h 08 m

O Manel mostrou à nascença que é um rapaz cheio de personalidade e de convicções. Decidiu quando e onde nascer. A indução do parto estava marcada para dia 26 Julho, num Hospital privado em Lisboa. Foi o último hospital onde trabalhei como enfermeira. Conheço toda a gente, a minha Obstetra está em Lisboa, por isso, apesar de vivermos no Porto, eram esses os planos. Dia 18 Julho às 23h 30m comecei a sentir contrações, primeiro de 40 em 40 minutos, depois de 30 em 30. Já sabia que não valia a pena ir para o hospital antes de serem de 10 em 10 minutos, por isso quando a dor acalmou, estava cheia de sono e fui dormir. Este era o momento para colocar a mala no carro e viajar até Lisboa. Curiosamente a minha Obstetra ausentou-se do país durante 4 dias (18 a 22 Julho). Decidi que não fazia sentido fazer a viagem de 2h 30m quando a pessoa que me ia ajudar a trazer o Manel ao mundo não estava presente. O meu plano B passou a plano A. Se de manhã as contrações voltassem iria para a maternidade pública do Porto, o Centro Materno Infantil (antiga Maternidade Júlio Dinis). Enquanto isto, o meu marido dormia profundamente... As 7h da manhã do dia 19 Julho as contrações não mentiam e repetiam-se de 10 em 10 minutos. O Manel estava a bater à porta. Tinha entrado em trabalho de parto. Arranjei tranquilamente a minha mala. Tomei banho, às 9h estavamos na maternidade. Fiquei internada, mas tinha apenas 1 cm de dilatação. O meu marido ficou comigo numa espera que parecia longa. As horas passavam e cada vez que me vinham avaliar a dilatação permanecia igual. Caminhei no corredor, fiz exercícios na bola de pilates. Nada fazia avançar a minha dilatação. Como o processo estava demorado o meu marido foi dormir a casa. Embora os pais possam ficar no hospital durante a dilatação, as cadeiras ao lado das camas são desconfortáveis e ele precisava de energia para o dia seguinte. 1h da manhã ... estava deitada quando as águas rebentaram. Literalmente a sensação de fazer xixi pelas pernas abaixo, mas em quantidades indescritiveis. E agora sim, não sei o que aconteceu mas as contrações passaram a ser muito próximas e dolorosas. Pedi epidural. A enfermeira disse-me que tinha apenas 2 cm de dilatação. Mas eu estava tão cheia de dores que supliquei pela famosa anestesia. A enfermeira  ajudou e fez-me um toque mais profundo para aumentar a dilatação. 3 cm ... venha a epidural. Levaram-me para a sala de partos. Liguei ao meu marido para vir ter comigo. Nessa noite estavam dois anestesistas de serviço. A anestesista surgiu apressada, brindou-me com o seguinte discurso:

- Vá , vamos lá. Tem de estar quietinha, para eu fazer isto rápido porque tenho de voltar para o bloco. Tem de colaborar comigo.

Vira-se para uma das enfermeiras e diz:

- Vocês hoje decidiram pedir epidural para todas. Mal chegam aos 3cm chamam.

Ora eu, cheia de contrações dolorosas e pouco espaçadas, acho que nem 1 minuto aguentava sem me contorcer toda. Supliquei que aguardasse pelo alivio do fim da contração para me posicionar corretamente para a epidural.

- Assim vou-me embora, não consigo esperar. Tenho situações urgentes no bloco. Chegue para aqui as costas e esteja quieta. Não se mexa.

Não vos consigo dizer o quando sofri naqueles minutos que pareceram horas. As dores das contrações eram insuportáveis. A anestesista estava sem paciência. Foi arrogante e só aumentava o meu desespero.  Após a epidural começaram a dar-me fármacos pelo cateter. Mas o alivio pouco durou. O meu marido chegou e eu contorcia-me toda agarrada a ele. Estive assim entre a 1h e as 5h da manhã. Como enfermeira que sou sabia que sentia demasiado as pernas, que após a epidural os doentes não sentem dor. Por isso no meio do desespero eu tinha uma certeza : o cateter epidural estava mal posicionado! Supliquei por novo anestesista e a repetição do procedimento. As enfermeiras conseguiram trazer outro anestesista à sala de partos. O discurso daquela noite parecia ser o mesmo.

- Vamos lá despachar isto. Esteja quieta, não se mexa. Tem de colaborar.

Eu estava a morrer de dor. Foram quatro horas sem epidural, e com contrações dolorosas. Estava exausta. Sabia que se não fosse feito alguma coisa não ia conseguir colaborar no periodo expulsivo devido à minha exaustão. Precisava de descansar, de estar fisica e mentalmente em sintonia para ajudar o Manel a percorrer a parte final do canal de parto. Mais uma vez o anestesista não quis saber. Só queria que eu estivesse bem posicionada e quieta. Rezei. Rezei baixinho. Pedi a Deus que me aguentasse por 1 ou 2 minutos as contrações. Desta vez o cateter tinha de ficar no sitio. Apertei com força as mãos das enfermeiras. Cateter colocado. Fármacos administrados. E finalmente a dor parou. A epidural é isto (quando bem feita claro). Comecei a falar e a respirar normalmente.  Seguiram-se 5 h tranquilas sem dor. A dilatação a progredir a bom ritmo. 8h 30m  Estou há 24 horas em trabalho de parto. Muda o turno. Entra a enfermeira Sofia na sala de partos. É ela que me vai fazer o parto. Ajuda-me a dilatar. Posiciona a cabeça do Manel que parece estar rodada. Explica-me como fazer força de forma a puxar o Manel cá para fora.Durante 1h 30m estive a dar o litro no ginásio. Literalmente. A cada contração eu fazia força guiada pela voz e pelas mãos da enfermeira Sofia. 10 h O meu marido faz força na barriga para empurrar o Manel para baixo. Entra uma obstetra para amparar o Manel na manobra final. A enfermeira Sofia com uma voz doce comanda a situação. Pede-me que me irrite com ela. Que me zangue. Que faça muita força porque a cabeça está mesmo a sair. Cerro os dentes. Sinto as entranhas a contrairem-se. Sinto a cabeça dele a sair. Estou toda suada. O meu marido despeja-me soro pela cara. 10 h 08 m o Manel chora... estou exausta. Colocam o menino junto a mim para o contacto pele a pele. Parir é qualquer coisa de verdadeiramente animal. Fiquei com a certeza que depois disto correr os 42 kms da maratona vai ser peanuts ...
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